Falámos com o realizador Pedro Pinho sobre um projecto de três filmes que estreiam hoje em sala
Só quando o filme foi seleccionado para a secção de longas no Festival de Cinema de Berlim é que Pedro percebeu que tinha realizado a sua primeira longa- -metragem de ficção. "Um Fim do Mundo", que estreia hoje em sala, estava para ser uma curta, tal como "Cama de Gato" e "Bela Vista". Em comum têm o bairro de Setúbal e a gente atrás da câmara - Pedro Pinho, Filipa Reis e João Miller Guerra -, que trabalhou para mostrar os diferentes ângulos de um mesmo espaço. Pedro fala-nos do projecto e particularmente da fita que assina, "Um Fim do Mundo", que nada tem de apocalíptico.
De onde vem o interesse pelo bairro?
A Câmara Municipal de Setúbal abriu um concurso para fazer uma série de filmes na Bela Vista e uma amiga minha, a Filipa Reis, que é realizadora e produtora, convidou-me para participar. Ela sabia que eu tinha um argumento escrito há algum tempo que se passava em Setúbal e Tróia. Concorremos, acabámos por ganhar e tivemos esse período de trabalho de dois, três meses de pesquisa no bairro e depois filmámos os três filmes.
Andaram de porta em porta?
Íamos para o bairro, ficávamos nos cafés e nas esplanadas, encontrámos pessoas assim e também através da escola. Num bairro em que não há muita gente de fora e todos se conhecem as pessoas começaram a olhar sem perceber quem éramos, se polícias se assistentes sociais, e nós tivemos alguma dificuldade em ultrapassar esse olhar. Decidimos a certa altura afixar cartazes para casting. Arranjámos uma sala e as pessoas começaram a vir ter connosco. Construímos um grupo de trabalho e relacionamento que nos abriu as portas do bairro.
Aí encontraram as caras dos filmes.
De um modo geral, sim. A partir desse momento fizemos workshops de dramatização. Íamos recolhendo histórias de vida, também procurando ensaiar cenas que já tínhamos construído. E tentar misturar a base ficcional que tínhamos com a realidade dessas pessoas. Nesse momento escolhemos o elenco. Com algumas excepções. Por exemplo, para a Eva que é a principal de "Um Fim do Mundo" estava à procura de uma figura que fosse atraente, misteriosa, que se destacasse. Encontrámo-la na feira de Santiago, em Setúbal, nos carrinhos de choque. Falámos com ela, inicialmente não percebia bem o que estávamos a pedir, mas depois apareceu no casting.
Qual é a dose de realidade no filme?
No caso do "Um Fim do Mundo" é tudo ficção. Aquele grupo não existia, aquelas pessoas não são amigas. Emprestam dados da sua vida, a sua maneira de falar, expressões, gestos, nomes. O que me interessava ali era procurar a verdade da relação entre as pessoas, a forma de estar daquela geração no tempo que vivemos.
Com a ajuda do lado documental estão a iludir o público.
E o cinema não é isso mesmo? É a suspensão temporária da descrença. Tu não vais lá para acreditar ou deixar de acreditar, vais ver uma história. Mesmo num documentário há uma construção. O realizador não só escolhe o que mostra mas como o mostra.
Porquê "Um Fim do Mundo"?
Acho que tem a ver com esta ambiguidade, de falar de um período da vida que termina e estamos em suspensão antes de chegar à vida adulta.
É o único a preto-e-branco.
A cor dá um excesso de informação que neste filme não me interessava ter. Tive de reduzir esse excesso para aceder a um registo mais intimista que tem a ver com os olhares, tensões, a sensualidade.
O projecto foi sempre pensado como uma trilogia?
Sim, desde o início. E até há cenas comuns. Achámos que como são filmes feitos ao mesmo tempo, no mesmo espaço, e como os personagens se conhecem, seria natural entrecruzarem-se. Há pontos de vista diferentes.
E afinal o que tem a Bela Vista de especial?
Ao contrário do centro de Lisboa, em que a população está a envelhecer a um ritmo alucinante, nestes bairros um terço ou mais da população são jovens e crianças. Isso faz com que haja energia e revitalização cultural, produção de música, palavras... é alucinante. Tem outra coisa fantástica que é um bairro com uma arquitectura superousada, o que hoje em dia é um pouco anacrónico. E está num sítio lindíssimo, que é um planalto, com o estuário do Sado, Tróia, uma das vistas mais belas do mundo.
Publicado em: http://www.ionline.pt/artigos/mais/bela-vista-tres-faces-mesmo-bairro/pag/-1